O velho do Restelo

Tornou-se moda dizer que um "velho do Restelo" é uma figura contra o progresso. Usa-se a acusação com desprezo e em tom sabedor, para atingir um adversário, ridicularizado através da ideia de que não compreende a modernidade. Mas o Velho do Restelo que surge no Canto IV dos Lusíadas é afinal uma figura de "aspecto venerando" que comenta na praia a expedição imperial e as respectivas ilusões. A personagem de Luís de Camões fala da "inquietação d'alma e da vida", também refere a manipulação política: "chamam-te Fama e Glória soberana/ nomes com quem se o povo néscio engana".
Depois, surgem os famosos versos, "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça/ desta vaidade a quem chamamos Fama"; e no remate do seu aviso aos aventureiros, o velho questiona-se "a que novos desastres determinas/ de levar estes reinos e esta gente?"
Assim, o Velho do Restelo não é nenhum reaccionário, mas o símbolo dos homens prudentes. No mundo em que vivemos, feito de glória de plástico e fama instantânea, esta personagem devia ser mais respeitada. Os populistas usam os métodos da "inquietação d'alma" para enganar as massas hipnotizadas pelo vazio e o progresso tornou-se um simulacro, feito apenas de novidades passageiras, portanto, assente na areia da praia. E a vaidade, de tão estúpida, leva mesmo reinos a novos desastres.

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publicado por Luís Naves às 21:32 | link do post | comentar