Alegria
Escreveu a última frase e teve uma breve sensação de alívio. Depois veio a dúvida que o atormentara desde o início: seria lido? Por isso, repetiu cada uma das palavras que escrevera, para ter a certeza do efeito. Sim, convenceu-se de que a leitura provocaria primeiro espanto, depois irritação e, no final, a impotência da vítima. Já estava a ver o inimigo a abrir o envelope, a ler a mensagem, a empalidecer, depois corando de fúria e medo, em busca de um autor. Teve pena de não estar presente, mas podia imaginar a cena. Talvez o outro fizesse uma loucura e seria o triunfo. A facada de vingança, embora não pudesse falar de vingança, pois o alvo não lhe fizera mal algum.
O seu coração encheu-se de uma excitação inflamada. Como ousara o outro julgar-se superior? Ao pensar isto, reconciliado com o mundo, concluiu o gesto sem que lhe restasse qualquer ódio na alma. A raiva ficara toda nas palavras. E foi assim, quase em paz, que largou a carta anónima na caixa do correio, sem duvidar de que o veneno chegaria ao destino.