Um escritor esquecido
Gábor Vész nasceu a 1 de Janeiro de 1900 e a sua mãe achou que isso tinha um significado profundo. Ao amamentar pela primeira vez, a boa senhora disse que depositava as maiores esperanças naquele bebé débil, que a parteira, sem o confessar em voz alta, considerou ter escassas hipóteses de sobrevivência.
Mas aqueles foram anos de certa abundância, e isso ajuda a explicar a circunstância de o rapaz assentar raízes no mundo, primeiro periclitante, depois espigadote e franzino, finalmente esguio e magricela, sempre com ar de quem não iria durar nem mais uma semana, muito delicado, protegido pela mãe, dado aos livros, alheado das outras crianças.
Considerando a fragilidade do menino, a mãe recusou enviá-lo para um colégio interno, pelo que lhe ficaram vedadas algumas profissões nobres, como a das armas, onde se distinguiram os primos direitos. Crueldades do destino, supremo desperdício: esses robustos rapazes foram ceifados na guerra de 14, para a qual Gábor chegou a ser mobilizado, já no desespero do império, apesar de nem ter força de braços sequer para segurar na espingarda.
A confusão que se seguiu à derrota militar permite explicar em parte a obra de Gábor Vész. A família estava dizimada, ele transformado na última esperança de que o nome persistisse. A mãe morrera na pneumónica, deixando-o órfão (a questão do pai não está esclarecida, era um segredo amargo, havendo fontes que situam a sua morte escassos meses antes do nascimento do jovem Gábor, outras segundo as quais o autor era filho ilegítimo, o que constituía uma desgraça). Enfim, com o colapso da sociedade, o escritor não tinha herança, excepto algumas terras na Voivodina, que as novas autoridades sérvias confiscaram, a título de imposto devido.
O período universitário foi doloroso e triste. Gábor não tinha recursos para concluir o curso de direito (chegou a ambicionar a carreira política), sendo forçado à escrita ocasional em jornais, tais como Ocidente, Novos Tempos ou Gazeta de Budapeste, onde publicou os seus primeiros contos e novelas curtas, incluindo muitos textos esquecidos.
Em 1926, publicou o seu primeiro romance, A Vida das Lágrimas, onde já revelava um estilo de observação acutilante, ao narrar a tragédia de um funcionário banal, apanhado na revolução e incapaz de enfrentar os poderes cruéis. A obra quase foi chumbada pela censura, mas passou no crivo político, sendo mal recebida pela imprensa, que lhe criticou a excessiva humanização dos algozes. Nas redacções, havia muitas invejas.
Gábor era um modernista e tinha influências expressionistas (Berlim Alexanderplatz, sem dúvida, mas também o minimalismo de Chekov e a sua observadora imparcialidade). Nessa época, o escritor frequentava um círculo de artistas e foi aí que conheceu a primeira mulher, Julia, que teria enorme impacto na sua vida. Isto coincidiu com o estalar da crise económica mundial.