O tenente Blueberry
Escrevi a notícia aqui: o autor de BD franco-belga Jean Giraud faleceu em Paris. Assinava Moebius e publicou na revista Pilote as Aventuras do Tenente Blueberry, a história de um militar americano no oeste imaginário. O herói é um dos meus favoritos e a personagem é claramente inspirada no actor francês Jean-Paul Belmondo, no nariz rachado, magreza física, até no carácter.
A paisagem do oeste americano, toda ela recriada a partir da memória cinéfila, funciona como uma das personagens das histórias de Blueberry, um oficial que geralmente luta pela justiça, insubmisso e desobediente, que se aventura no território comanche, e uso aqui a expressão para designar a zona inexplorada onde se escondem todos os perigos do mundo.
Esta BD não seria possível sem o realismo brutal e estranhamente poético de Sérgio Leone e parece-me ver ali as cores de Duelo ao Sol, um filme melodramático que deixou na minha memória a sua paleta quente e sensual (a rudeza da terra em contraste com o erotismo do corpo feminino). A abordagem de Moebius não seria possível sem a reminiscência do western no cinema, de Peckimpah a John Ford. Aliás, Blueberry podia muito ter sido um tenente no regimento de She Wore a Yellow Ribbon(não me lembro do título em português) e talvez não se desse mal com John Wayne, com quem tem parecenças.
O que explica este nosso fascínio pelos grandes espaços? Talvez o sufoco da vida moderna, a nossa falta de liberdade: em cidades opressoras, vidas incompletas, empregos esmagadores, o quotidiano de vexames. Independentemente da explicação, a imaginação de Moebius captou esse desejo de fazer largar a imaginação pelas planícies inesgotáveis do sonho. Fez isso ainda melhor nas obras de ficção científica, mas apeteceu-me falar do western.