Da Europa do meio

Num artigo na Revista Ler, o escritor e crítico José Riço Direitinho elabora uma lista de preferências literárias e inclui um livro de Gonçalo M. Tavares, com a ressalva de que o autor faz “uma espécie de literatura requentada da Mitteleuropa”. A frase, que tem feito o seu caminho nas redes sociais, pode ser uma daquelas típicas generalizações apressadas da crítica literária, mas serve de pretexto para uma breve digressão através de um tema que sempre me fascinou.


A Mitteleuropa é um conceito político que esteve na moda no início do século XX e, depois, outra vez no final do mesmo século. Segundo esta ideia, existe uma Europa no meio que corresponde à zona geográfica ou cultural liderada pelos alemães e que possui pontos em comum nas artes, nas tradições e na sociedade. Os teóricos nunca definiram bem o conceito, que não se aguenta em observação meramente política. Segundo alguns, esta Europa estende-se de Berlim aos Balcãs, de Trieste a Varsóvia, correspondendo mais ou menos às duas margens da antiga Cortina de Ferro, uma espécie de fronteira entre civilização e barbárie.
Quando foi pensada, a ideia de Europa do Meio abarcava comunidades muito diferentes, dos alemães aos eslavos do norte e do sul, dos judeus aos magiares (os ciganos não eram considerados suficientemente cultos). A amálgama de elementos diversos levou naturalmente à conclusão de que estes grupos tinham em comum uma espécie de civilização, algo que os ódios e as limpezas étnicas sempre desmentiram. O facto é que, antes e depois da Primeira Guerra Mundial, cidades como Viena, Budapeste, Berlim ou Praga vibravam com uma notável explosão intelectual, que se traduziu em literatura, ciência, filosofia, pintura ou música. Sem ter um centro único, este era à época o coração do mundo intelectual europeu. Tudo isto se estilhaçou em pouco mais de uma década: o anti-semitismo produziu os refugiados do nazismo (sobretudo de judeus alemães e austro-húngaros) que vieram a ter um papel relevante em Hollywood e Los Alamos.

 

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publicado por Luís Naves às 19:05 | link do post | comentar