Quarta-feira, 28.11.12

Primeiro aniversário

Este blogue conclui hoje um ano de existência.

Foram publicados aqui mais de cem posts originais, de crónica, conto e poesia.

Este local serviu de oficina de escrita, para testar ideias literárias e ensaiar formas.

 

Agradecemos aos nossos leitores, sobretudo aos que nos seguem desde o início.

Em dia de aniversário, fica este conto, ainda em esboço... 

publicado por Luís Naves às 18:09 | link do post | comentar | ver comentários (3)

Do outro lado da linha

Aquele número de telefone agora era meu, mas pertencera a outra pessoa. Descobri isso quando alguém me telefonou a querer falar com uma tal dona Otília, que eu não conhecia de lado algum. Quando expliquei que era engano, a pessoa do outro lado reagiu com espanto. Ao segundo telefonema, percebi que a culpa era da empresa operadora. O número fora reciclado.
   Devia ter tratado logo do assunto, mas confesso que achei graça e depois já passara a oportunidade para obter um número diferente. Às tantas, não era prático mudar, tinha ainda a chatice de perder umas horas a explicar que recebia chamadas para a anterior proprietária e, portanto, queria um número original, que não tivesse cliente anterior. A meu ver, pagava como novo algo em segunda mão. Tratava-se de um mero número de telefone, mas podia ser um par de sapatos: sempre que o utilizava, pairava aquela sensação amarga de que já alguém o calçara antes. Mesmo assim, nada fiz.
   Não sendo inteiramente racional, a ideia perturbava, mas o tempo foi passando e diluiu-se o choque inicial de saber que o número do meu telefone novo já pertencera a outra pessoa. Depois, descobri que tinha um prazer especial em receber as chamadas dirigidas à dona Otília, mas acima de tudo dava gozo ler as mensagens de texto que ela devia receber, algumas indecifráveis, outras crípticas, todas vagamente incompletas, omissas de informação e que me faziam pensar seriamente nas conjecturas sobre o aspecto daquela pessoa desconhecida. A situação não deixava, apesar de tudo, de ser um pouco irritante. Por vezes, atendia a chamada e alguém berrava do outro lado:
   “Queria falar com a dona Otília”.
   “É engano. Este número já não pertence à dona Otília”.
   Do outro lado da linha, havia sempre resistência a uma ideia tão evidente:
   “Está a brincar comigo”.
   “Não estou a brincar com ninguém. É engano”.
   “Mas a dona Otília deu-me este número”.

  

 


 
 

publicado por Luís Naves às 18:05 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quinta-feira, 22.11.12

Ou outra coisa qualquer

E afinal tudo isto o que é, senão outro princípio?  

Soçobraram estas memórias,

ou aguardam apenas a tão desejada,

adiada salvação?

Pisando a poeira caminhamos,

entre as folhas secas, num ruído manso.

 

Vacilamos sonâmbulos em noites de paludismo.

Prosseguimos, sem destino certo,

no balanço turvo do navio fantasma.

Já não separamos a mão esquerda da direita.

Muitas vezes,

nem um abraço consola a febre dos dias.

 

Haja essa tarde, outra vida elevada num sopro,

a árvore antiga elevando-se como um  pai.

Por ela subíamos até uma queda sem dor

e os amigo eram como ramos,

a quem nada se pedia excepto o indizível,

esse coruscante silêncio demasiado branco.

 

Não sei, não vi, o inominável que chegou sem aviso,

lento ou com a pressa dos que fazem sofrer.

Mas fingiu-se de tão quente, de tão íntimo,

que chegou convidado pelo medo a esta mesa,

aterrador comensal na sua face gelada…

Máscara de espelho, assassino manso.

 

Se houver outro princípio, então o sangue pulse

e o jogo da infância recomece.

Mas se for o fim, então fique o nada que resta.

Assim mesmo.

Só o que resta.

O reciclar dos detritos, da obra, dos corpos.

 

Não o definhar desta luz amortecida.

Não estas palavras, encarquilhadas ao nascer.

 

Ou outra coisa qualquer.

publicado por João Villalobos às 22:01 | link do post | comentar

Uma pergunta

Aproxima-se um qualquer fim.

Silenciosos os violinos que libertavam os acordes da verdade.

Ouve-se apenas, demasiado perto,

o eco do último sopro,

o extertor do sono,

o expirar do silêncio.

 

Penso. Eu. Genuinamente penso,

então e o brilho ofuscante das opalas,

a música que nos convocava soprada das ocarinas,

o rebentar das bombas da China, a cinco escudos na moeda antiga.

 

Onde esses actos de esplendor,

e em que lugar a manta tecida com palavras quentes e beijos de avó.

Essa lamparina de azeite acompanhando a noite.

 

Para onde fugiu, afinal, a felicidade? 

publicado por João Villalobos às 00:32 | link do post | comentar

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