O café da estação
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A senhora Matuska olhou-me com o gesto dos míopes, num esforço da vista, medindo o meu aspecto como se dissesse, baixinho, que as minhas intenções eram suspeitas. Mostrei-lhe o meu cartão de visita, que tem umas decorações sugestivas, e depois um recorte de jornal onde constava uma grande fotografia de Joszef Varga. Ela perguntou-me se eu era jornalista e respondi-lhe que não: embora escrevesse em jornais, era na realidade escritor. Foi ainda pior do que confessar a um membro da máfia albanesa que era membro honorário da polícia judiciária.
“Então, não estou a ver qual possa ser o seu interesse no caso”, disse ela.
Tive de recorrer à mentira acrobática:
“Conhecia pessoalmente o senhor Varga”, (e isso era verdade) “e vou escrever um livro sobre ele (mentira) e queria saber todos os pormenores daquele dia, com quem falou e o que disse na ocasião, (verdade) por causa do rigor que pretendo imprimir ao livro” (imprecisão, evasiva, mentira).
Fui apenas meio credível. Sabendo do gosto de Varga por café pela manhã, era possível, até provável, que ele pudesse ter parado ali e conversado um pouco, antes de seguir no seu passeio de pensionista. Para mim, era fácil imaginar aquele idoso alto e curvado, de sobretudo e chapéu, a entrar no pequeno estabelecimento da senhora Matuska, uma mulher que já tivera sem dúvida os seus tempos de glória. Dizer uma graça ou simplesmente esperar que ela fizesse a despesa da conversa.
A mulher observou atentamente a página do jornal. Recordava-se do caso.