Terça-feira, 12.02.13

Futebol (também) é ficção

Após inúmeras solicitações de amigos com contactos privilegiados na Banca e sentindo que existe efectivamente uma vaga de fundo que congrega sócios e adeptos das mais variadas tendências, aceitei – não sem ouvir a opinião da minha mulher, filhos e família em geral – apresentar a minha candidatura à presidência do Sporting Clube de Portugal.

Alguns de vós, embora poucos porque os sportinguistas conhecem-me, perguntarão porventura porquê. Espanta-os, quiçá, que uma individualidade com as minhas responsabilidades públicas opte por entregar-se, de alma e coração, a uma causa que muitos dão como perdida.

Tenho também ouvido os críticos do costume chalacearem com o facto de a lista de putativos candidatos (a palavra é do mais clássico latim) à presidência do clube já ter a extensão da lista telefónica de Shangai. "Mais um para quê?", interrogam-se com um esgar de desdém. Pois não serão eles a demover-me desta decisão, a qual, uma vez tomada, abraço em simultâneo com a razão e o coração.

Os sportinguistas são Portugueses. Parece uma verdade digna do senhor de La Palisse mas sucede que somos, mais do que isso, os mais Portugueses entre os Portugueses, porque nenhuma outra instituição tem padecido de tantas similitudes com o próprio país; Vivemos sem dinheiro, protestamos sem que os protestos sirvam para alguma coisa, ansiamos por uma ajuda financeira externa que nos ponha de uma vez por todas equilíbrio nas contas e, internamente, desperdiçamos tempo e energia em querelas intestinas que dão ao acessório a aparência do essencial. Mas, parafreaseando Fernando Ulrich, vamos aguentando.

É esse mesmo, aliás, o mote da minha candidatura: “Chega de Aguentar!”. Em breve, numa conferência de imprensa de formato completamente inovador porque dará aos jornalistas presentes a possibilidade de fazerem todas as perguntas que entenderem, será apresentado em detalhe o programa desta  mesma candidatura.

Ela não fará tábua rasa das lições do Passado, porque aquilo que não aprendemos com os erros (os nossos e os alheios) não nos permite progredir. Mas é o diagnóstico certeiro do Presente que norteará o desiderato capaz de orientar o Futuro. Pensemos na constelação do Leão. Ela inclui a estrela Regulus, que entre os árabes era chamada Qalb al-Asad. “O Coração do Leão”. Chega, pois, de aguentar. É no âmago desse coração de Leão que devemos encontrar a coragem e a audácia para rompermos com a choraminguice e darmos o salto que se impõe.

E dito isto, certo de que já perceberam de que brinco, peço-vos que encontrem nas entrelinhas do meu sentido de humor o que elas contêm de seriedade. Como diz o povo: “A brincar, a brincar, se dizem as verdades”. Porfiemos.

*Amanhã em versão impressa no Jornal do Sporting (Where else?) 
publicado por João Villalobos às 21:16 | link do post | comentar
Domingo, 03.02.13

Kiss me and say goodbye, that's love

3

Certa sequência de acontecimentos podia ser definida com relativa precisão. Varga conversou com a senhora Matuska no pequeno café que esta mantém na estação de Kispest; parto do princípio de que foi apenas conversa de circunstância, sem cumplicidades, meio esquecida devido ao turbilhão de momentos banais que forma cada existência, esse confuso e fragmentado fio que devia ligar a ordem dos factos mas que, na realidade, transforma o filme da nossa vida numa catadupa de imagens em fuga. Varga podia até conhecer a proprietária do café, podiam conhecer-se de situações antigas. Quem sabe, uma fonte, uma reportagem? Mas acho mais provável que ele estivesse a pensar (é apenas uma hipótese, a minha especulação) no desgosto físico que lhe produziam todos os sinais de declínio à sua volta e que eram o testemunho do estilhaçar de uma época. A sujidade no chão, as pessoas nervosas, a linguagem caótica, os jornais imundos. Tudo isso representava o colapso dos sonhos, uma informe cacofonia de sons e uma mistura quase assustadora de queda e antecipação da morte. Era, apesar de tudo, uma cruel matéria de reflexão que devia ocupar os seus dias: o que sucedera à utopia e aos devaneios? Acredito que Varga tenha pisado aquele chão com mais amargura, que tenha descido as escadas com um peso na alma. Depois, ao tomar a linha número dois do metropolitano, penso que escolheu um lugar à janela e deve ter dormitado um pouco (o sol de inverno entrava na carruagem muito quente) embalado pelos solavancos da linha velha, até sair no centro da cidade, talvez na estação da praça Deák. Atrevo-me a dizer que saiu ali, porque ali voltaria mais tarde e porque é o coração de Budapeste e um centro de poder. É onde sai sempre mais gente, e Varga já só era mais um entre muitos.

 

publicado por Luís Naves às 16:16 | link do post | comentar

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