Da estupidez

Neste magnífico artigo fala-se de um fenómeno mal conhecido, a estupidez das pessoas inteligentes, que nos ajuda a compreender boa parte deste mundo. Trata-se aqui do estudo do que parece ser a preguiça mental de pessoas reconhecidamente espertas e que, perante um problema que julgam ser simples, respondem da forma fácil, como se os seus poderes de análise fossem temporariamente desligados. Gosto em particular da frase (tão estúpida) do filósofo citado: "Não estou interessado na psicologia da estupidez".
E, no entanto, a estupidez parece dominar a maioria das discussões. A frase pedante que cala a objecção, a banalidade dita com confiança, a falta de ideias na rotina, a imitação que papagueia noções alheias, a certeza teimosa. A ciência tenta estudar esta pressa que paralisa a mente, mas na literatura este é um tema muito explorado. Estou a lembrar-me do grande escritor checo Bohumil Hrabal (1914-1997), que pegou no assunto como poucos.


A obra de Hrabal vem na tradição de Franz Kafka, do soldado Svejk (personagem de Jaroslav Hasek), dos contos de Tchekov, mas também do humor centro-europeu que tão bem retrata os absurdos daquela sociedade. Hrabal é hoje um autor influente, pelo menos na Europa Central, por ter captado a essência estúpida dos regimes totalitários comunistas do leste. Ele não era um escritor político de forma expressa, limitou-se a inventar personagens embrulhadas em situações ambíguas, regras tontas, azares totais, falhanços incríveis.
Hrabal estava fora do sistema literário, pois nos textos que tentou publicar, a partir dos anos 50, não havia proletários generosos ou capitalistas perversos. Era realismo, mas sem o socialista. Tal como a vida, as suas histórias eram uma mistura de tragédia, comédia, tédio e exaltação, numa sequência de pequenos episódios de aparência autêntica e vivida. O autor escreveu numa época muito difícil, quando o conformismo era a única forma de publicar; época de repressão onde a mínima dissidência reduzia as melhores mentes do país a trabalhos braçais que condenavam ao esquecimento. Era uma espécie de enterro em vida.
Também forçado à marginalização intelectual, Hrabal publicou quase toda a sua obra em samizdat, em edições clandestinas e de baixo custo que circulavam apenas entre os conhecedores. Os textos eram curtos e incisivos, a clandestinidade assim o impunha. A prosa era desprovida de ornamentos ou complicações, sempre muito visual e repleta de associações de ideias. Hrabal tinha fama de alcoólico e passava dias numa cervejaria favorita. Diz-se que não falava muito, que passava o tempo a ouvir as histórias dos outros, afinal a matéria-prima dos escritores.
Infelizmente, este grande checo não é muito conhecido em Portugal. Estão publicados pelo menos Eu Servi o Rei de Inglaterra, Comboios Rigorosamente Vigiados e Uma Solidão Demasiado Ruidosa. Haverá outros títulos. Não sei se está traduzido A Pequena Cidade Onde o Tempo Parou.

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publicado por Luís Naves às 12:49 | link do post