Questão de gosto

Na experiência, foram usados violinos antigos, Stradivadius e Guarnieri, bem como dois instrumentos fabricados recentemente, um deles com semanas. Os violinistas entravam numa sala de hotel de olhos vendados e tocavam, sem tirar as vendas, com o requinte de ser colocado perfume na madeira, para que não se reconhecesse o antigo pelo cheiro. No final, os músicos foram incapazes de distinguir os Stradivarius e os contemporâneos. Conclusão: a preferência dos especialistas por instrumentos antigos é induzida pelos próprios. A experiência tentava provar que os humanos são incapazes de distinguir entre dois objectos semelhantes e que escolhem um deles por factores emocionais, por exemplo o estatuto conferido pela compra de um objecto caro.
A experiência tem um problema óbvio: os violinistas tocaram numa sala pequena, onde desaparecia a vantagem dos violinos antigos. Com má acústica, a sala até lhes podia ser prejudicial. Ficaria mais convencido se os cientistas também tivessem testado pessoas a ouvir numa sala de grande acústica. Há ainda o problema do tempo: neste caso, faltou a complexa adaptação entre o homem e a sua ferramenta, que exige anos.
A nobreza do antigo pode até ser mito, mas bastará o facto de o músico acreditar que está a tocar num violino excepcional para se superar. O Stradivarius é a alavanca que o leva às altitudes, mas sem aquele violino o salto seria mais curto. A experiência descrita em cima matou a magia, conteve a tradição e as crenças, transformou uma obra de arte em simples objecto, retirou-lhe a alma. Até o perfumou, para o tornar banal, escondendo-lhe a poeira do tempo. Mas tomando as conclusões por válidas, ainda bem que somos subjectivos nos gostos. Incorporamos nas nossas escolhas factores indetectáveis, pois temos horror a que a experiência humana seja constituída apenas por rotinas sem imaginação. Sobretudo, desprovida do esplendor e prazer que retiramos daquilo que é raro ou único. 

 

Na imagem, Violino e Guitarra, 1913, pintura de Juan Gris (1887-1927) 

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publicado por Luís Naves às 12:56 | link do post