Kiss me and say goodbye, that's love
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Certa sequência de acontecimentos podia ser definida com relativa precisão. Varga conversou com a senhora Matuska no pequeno café que esta mantém na estação de Kispest; parto do princípio de que foi apenas conversa de circunstância, sem cumplicidades, meio esquecida devido ao turbilhão de momentos banais que forma cada existência, esse confuso e fragmentado fio que devia ligar a ordem dos factos mas que, na realidade, transforma o filme da nossa vida numa catadupa de imagens em fuga. Varga podia até conhecer a proprietária do café, podiam conhecer-se de situações antigas. Quem sabe, uma fonte, uma reportagem? Mas acho mais provável que ele estivesse a pensar (é apenas uma hipótese, a minha especulação) no desgosto físico que lhe produziam todos os sinais de declínio à sua volta e que eram o testemunho do estilhaçar de uma época. A sujidade no chão, as pessoas nervosas, a linguagem caótica, os jornais imundos. Tudo isso representava o colapso dos sonhos, uma informe cacofonia de sons e uma mistura quase assustadora de queda e antecipação da morte. Era, apesar de tudo, uma cruel matéria de reflexão que devia ocupar os seus dias: o que sucedera à utopia e aos devaneios? Acredito que Varga tenha pisado aquele chão com mais amargura, que tenha descido as escadas com um peso na alma. Depois, ao tomar a linha número dois do metropolitano, penso que escolheu um lugar à janela e deve ter dormitado um pouco (o sol de inverno entrava na carruagem muito quente) embalado pelos solavancos da linha velha, até sair no centro da cidade, talvez na estação da praça Deák. Atrevo-me a dizer que saiu ali, porque ali voltaria mais tarde e porque é o coração de Budapeste e um centro de poder. É onde sai sempre mais gente, e Varga já só era mais um entre muitos.