Sexta-feira, 10.02.12

Diario sem horas (4)

Hoje, o tempo alargou-se para além do sentido. E no entanto, atravessando as horas, as palavras ganham outras distâncias, passando fronteiras como aquelas que antigamente nos transportavam até às cidades cujos nomes já não existem; umas demasiado distantes outras extintas na poeira dos séculos. Por vezes, talvez demasiadas, as palavras aproximam-nos de quem está longe e afastam-nos de quem nos espera. Percurso esse cuja circularidade só existe na mente mais distante, a mesma que aguarda o todo que é suposto existir, no prato direito da balança que pesa o verdadeiramente dado. Assim é, mas com uma certeza porém: Aquele que tarda e fala as todas as línguas, tanto as próximas como as mais distantes, caminha no precipício da ausência. Desnecessário dizer mais do que isto: Hoje, as horas estendem-se sem que as palavras encontrem um intervalo onde viver...ou uma cama onde repousem para sempre.

publicado por João Villalobos às 04:24 | link do post | comentar
Quarta-feira, 08.02.12

Diário sem horas (3)

Em plena I Guerra Mundial, com mais exatidão no dia 26 de Janeiro de 1917 em Santa Maria la Longa, Giuseppe Ungaretti escreveu o seu poema Mattina: “M’illumino / D’immenso”. Comentá-lo seria escrever o óbvio. Difícil é vivê-lo, mas não impossível. Basta procurar esse momento de luminosidade que nos relembra o infinito apenas pressentido. Esses prolongados segundos que atravessam as frinchas do incomensurável. Mesmo cerceados pelo frio dos invernos ou feridos pelas batalhas que travamos, tantas vezes de olhos fechados. Sentir cada prova que nos é dada de existência. Cada manhã. Eis a condição primeira dessa imensa iluminação.

publicado por João Villalobos às 19:28 | link do post | comentar
Terça-feira, 07.02.12

Diário sem horas (2)

A delicadeza é um valor escasso, neste tempo em que quase tudo nos abalroa e irrompe olhos e ouvidos adentro, com a violência digna de um exército de hunos. Sabe bem descobri-la, subtil, num silêncio utilizado em lugar de palavras encarquilhadas, num gesto que se estende sem pressas ou na frase inicial de um livro escrito por alguém despreocupado com a “retenção da atenção do leitor”, esse cliché da escrita dita criativa ensinada por aí. Um alguém que nessas primeiras páginas escreva como quem gentilmente abre a porta de casa e aguarda, sem pressas, que o Outro entre, confiante na sua hospitalidade. E sabendo, como o Ulrich de Musil, que é o passo seguinte o mais importante.     

publicado por João Villalobos às 15:45 | link do post | comentar
Segunda-feira, 06.02.12

Diário sem horas (1)

Impõe-se darmos atenção a quem nos rodeia nestes dias difíceis. Que dediquemos verdadeiramente tempo a quem naufraga e àqueles que sobrevivem, apenas à tona ou caminhando milagrosamente sobre as águas. A quem nos estende a mão como aos que se afastam, nem pegadas na areia deixando para que possamos segui-los. Que com autenticidade as vejamos e olhemos à luz do meio-dia, nesses minutos sem sombra, a essas pessoas. Umas e outras. Porque cada uma delas é espelho em que nos revemos e voltaremos a rever, num qualquer momento previsto ou inesperado. Simétricas de nós e às tantas iguais.

publicado por João Villalobos às 11:58 | link do post | comentar | ver comentários (3)

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