Segunda-feira, 23.01.12

História do Futuro (volume IV) 2050-2060

Os motivos do colapso generalizado da civilização ocidental têm sido objecto de grande controvérsia entre os académicos. Há centenas de estudos sobre este interessante tópico e destacam-se dois tipos de explicação: os recursos disponíveis eram insuficientes ou foram utilizados até ao extremo; as desigualdades sociais que resultaram da crise do capitalismo e das tecnologias genéticas provocaram o declínio da ordem económica. Sem querer entrar em pormenores, julgo que há bases sólidas para apoiar ambas as teses. Dada a natureza complexa dos fenómenos associados a este período histórico, que é extremamente curto (na realidade, uma simples década) torna-se difícil fazer um resumo eficaz.
A civilização do ocidente dependia em excesso de dois elementos: petróleo, de onde obtinha o essencial da sua energia; e capital, a base de uma ordem económica baseada no mercado livre e que, na primeira metade do século XXI, foi excessivamente desregulado. O petróleo era essencial não apenas para iluminar as cidades, mas para a produção industrial e alimentar, transportes e aquecimento. A queima de combustíveis fósseis tinha forte impacto nas mudanças climáticas e a economia girava em torno do preço do combustível, cujas flutuações demasiado rápidas provocavam crises regulares.


A ruptura ocorreu entre 2050 e 2060. Esta série negra de anos desastrosos correspondeu ao rebentar da pressão de vapor acumulada nas décadas anteriores, consequência da crise energética que se desenvolvera a partir dos anos 10 do século XXI. Existe ainda hoje uma ideia errada de que os poços petrolíferos eram como lagos líquidos formando uma determinada camada geológica. Bastava perfurar e o líquido escorria. Na realidade, o produto estava embebido na rocha e sob pressão, pelo que a sua extracção total era impossível. Os poços começaram a perder força (no sentido literal do termo) e acabaram por tornar-se demasiado dispendiosos, sendo então abandonados. O declínio de produção que resultou do esgotamento das zonas mais ricas do mundo agravou-se nos anos 20 e 30, com aceleração brutal nos anos 40. Calcula-se que o pico petrolífero (máxima produção) foi atingido em 2012. A queda que se seguiu foi suave, mas acompanhada pelo aumento das necessidades de consumo e pelo fracasso das energias alternativas, sobretudo da energia solar, cujas limitações só foram devidamente superadas no século XXII. Herman Roka especula no seu livro Ascensão e Queda da Civilização Ocidental que uma ruptura tecnológica poderia ter resolvido a equação, mas o facto é que não houve esse milagre. Paul Davos escreve algo de semelhante no seu estudo Avanços e Retrocessos. Em 2020, o barril de petróleo atingiu pela primeira vez os 200 dólares norte-americanos (o equivalente contemporâneo a 10 karmas) e, em 2034, no quinto choque petrolífero, o barril de crude passou os 350 dólares, na prática levando à falência inúmeras indústrias em que o uso de energia era intensivo (processamento alimentar, automóvel, siderurgias). Em 30 anos, a produção mundial caíra de quase 100 milhões de barris diários para menos de 40 milhões.

 

 

 

Imagem: Cidade a Arder, 1913, do pintor expressionista alemão Ludwig Meidner (1884-1966)

publicado por Luís Naves às 19:48 | link do post | comentar
Sexta-feira, 06.01.12

Um dia na vida, 1 (História do Futuro, vol. VI, 2080-2120)

I

 

O velho pediu para sair do carro. A estrada continuava, com o asfalto já em muito mau estado, mas ele disse que ficava ali.
   − Ainda é um esticão para voltar.
Saiu. Disse que só os tinha acompanhado para ter a certeza de que seguiam na estrada certa. O amigo Afonso tinha péssima orientação. Por isso, apontou em frente. Pediu-lhe que não parasse até chegar ao destino, 200 quilómetros mais a norte. Despediram-se, comovidos:
   − Adeus engenheiro, cuida de ti.
   − Adeus, tenham cuidado.
   − Devias vir connosco.
   − Era peso a mais.
E o carro eléctrico arrancou pelo caminho, desapareceu na curva, silenciosamente. Iam três a bordo (Afonso, a mulher e o filho, que já tinha 12 anos); muito peso, dificilmente fariam todo o percurso, pensou o velho.
Tinham levado cinco semanas a reparar o carro e a encher as baterias gastas e regastas, mas os seus amigos tinham boas hipóteses: se conseguissem pelo menos 150 quilómetros, o resto do caminho para a aldeia seria relativamente fácil, mesmo a pé. Talvez ainda ali estivesse a casa antiga de que tinham falado durante meses e meses. Em mau estado, era certo, mas porventura habitável. Havia terras para agricultura e levavam sementes. Podiam improvisar, levavam livros de agricultura. A grande incógnita era saber quem se teria instalado na aldeia? Muitos, sem dúvida. Que género de gente? Não sabiam. O certo é que alimentar três pessoas numa cidade já não parecia possível.
A família Afonso era a última que restara do prédio. A velhinha do segundo andar morrera nas cheias de inverno, por uma estupidez, arrastada pela inundação quando tentara chegar à feira no dia errado. Era preciso não cometer esse tipo de imbecilidade, juntar tudo o que era necessário e só sair quando não havia perigo. Agora, sem a ajuda dos vizinhos, teria dificuldade em estender os oleados para recolher água da chuva no telhado. A manobra precisava de força de braços, mas se conseguisse colocar os plásticos na posição certa, também teria mais água. Se chovesse, claro, o que não se atrevia a prever.

 

publicado por Luís Naves às 20:16 | link do post | comentar
Quinta-feira, 05.01.12

História do Futuro (Volume VI), 2080-2120

1

Para muitos autores, o período que se seguiu ao recuo generalizado foi semelhante à Idade Média europeia no que respeita à violência geral e à fragmentação das unidades políticas. Julgo que o termo idade média, usado no século passado por um eminente historiador, é conveniente para a explicação destes quarenta anos marcados pela turbulência e a instabilidade. Não se pense, no entanto, que havia um padrão de feudalismo. As classes dirigentes não tinham laços de família e a rivalidade política era uma constante. Não havia lealdades extra-fronteiras. Pelo contrário, apenas conflito.
O leitor tem de se esforçar um pouco, fazer um exercício da imaginação, para compreender o estado a que tinham chegado as sociedades. Nas zonas urbanas, onde viviam 70% das populações, as infra-estruturas estavam parcialmente arruinadas e, no fundo, a vida quotidiana transformou-se numa luta diária pela simples sobrevivência. Por todo o lado, deixara de haver empregos e uma situação de desemprego em massa é simplesmente insustentável. O sistema fiscal ruíra. Os serviços básicos, de água, energia, saúde, policiamento ou transportes, eram lentamente reconstruídos nas cidades que tivessem recursos, mas essa reconstrução nunca era suficiente para abarcar toda a gente e o padrão geral foi de abandono; nuns locais de forma rápida; noutros, saída gradual, com resistência dos núcleos duros das comunidades. Três exemplos: o Cairo chegara a ter 22 milhões de habitantes, mas em 2080 tinha só 4 milhões e, dez anos mais tarde, apenas 250 mil pessoas; a cidade de Atlanta, com 2,5 milhões de habitantes em 2070, tinha 7% desse valor em 2100; e Munique, em 2082, estava reduzida a 10% da população contabilizada 8 anos antes.

 

publicado por Luís Naves às 18:10 | link do post | comentar

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