Maurice Ravel, Concerto de Piano, 2º andamento (Adagio)
Celebração do crepúsculo, céu em fogo, telhados de ouro. Foge a luz, pairam vaga-lumes efémeros e lá no alto espalham-se brasas de carvão ardente como algodão cor-de-rosa na brisa de Agosto. É a hora dos gatos à solta, paredes-meias com os becos cheios de sombra, das conversas à beira-rio, da melancolia a meia-voz e do tédio fatigado, das pequenas contemplações do universo. A hora dos abraços tenros e do adeus cheio de saudade, a hora irisada dos sofredores e dos melancólicos, mas também das nuvens de fumo que dançam no ar, com fantasia.
Nos bairros populares há um vislumbre das roupas estendidas nos varões, pontos brancos a esvoaçar, desvanecendo-se na cinza geral da luz mortiça que invade o mundo. Os jardins coloridos já adormeceram e nascem as primeiras estrelas, muito lá em cima, antes do artifício branco da Via Láctea. Há poeira e leveza de cristal e chega a noite.
A cidade acende as luzes, devagarinho.
(Acho uma obra-prima, de Ravel, do séc. XX, da Civilização Ocidental)