Sexta-feira, 12.06.15

Adolescência política

Portugal vive um estado permanente de adolescência política. Ao longo destas últimas quatro décadas, assumidamente provisórios primeiro e chamados de constitucionais depois, os governos tiveram um prazo de validade tão variável como os pacotes de leite, oscilando de acordo com as circunstâncias e numa base rotativista que, ao criar as políticas e circuitos de decisão alienados dos objectivos de serviço público, se afastaram dos interesses colectivos desligados do seu papel cívico ou, no sentido da palavra de raiz ateniense, político. Durante 40 anos, foram colocadas na gaveta ou na trituradora de papel decisões correctas e dossiers fundamentados apenas porque eram encomendados e assinados por Beltrano do antecessor agora partido da oposição X e não por Sicrano do agora partido do governo Y. Pagaram-se estudos atrás de estudos a baterias de consultores, nacionais e estrangeiros, para anunciar aeroportos que nunca existiram em lugares diferentes de um mesmo mapa sem azimutes, livros encadernados com centenas de páginas elencando vantagens competitivas que ganharam pó nas prateleiras dos gabinetes, relatórios desvendando novos paradigmas entretanto obsoletos, inovadoras valências envelhecidas logo ao nascer, mega-projectos falidos no mesmo Excel que os pariu, reformas plenas de tesão matinal, plataformas naufragadas feitas jangadas e pseudo-aberturas à sociedade civil cujas portas meramente entreabertas logo se fecham quando o resultado desilude e os figurantes são mandados para casa com a independência dentro da mala. Aqueles que, pertencendo à administração pública com lugar cativo nos gabinetes ministeriais, vêem passar pelas suas secretárias ofícios e despachos com a inefável nota 'À consideração de...' assistem, num eterno retorno entre o secreto divertimento e a sofrida desvitalização, à sucessão das mesmas inevitáveis fases; Um início de euforia e voluntarismo seguido de um meio de desespero e, perante a miríade de entraves e desafios, um final marcado pelo baixar dos braços e a opção de ir tratar da 'vidinha' para outro lado. Como se cantava durante os amanhãs do PREC, 'Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar': No palco mediático, os políticos rebelam-se uns contra os outros, falam uma linguagem própria que só eles entendem, debatem durante horas exibindo a sua capacidade de converter em 'langue de bois' assuntos que mexem com o dia a dia de todos nós e que seriam entendíveis por qualquer pessoa normal com dois ou três exemplos. E no entanto este fracasso vem de longe e é bem mais antigo do que o Abril de há 40 anos. "O estado de expectativa e de demora cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora", já escrevia Eça no 'Distrito de Évora', acrescentando: "Trata-se dum projecto de reforma económica, duma despesa a eliminar, dum bom melhoramento a consolidar? Começam as discussões, crescendo em sonoridade e em lentidão, começam as argumentações arrastadas, frouxas, que se estendem por meses, que se prendem a todo o incidente e a toda a sorte de explicação frívola, e duram assim uma eternidade ministerial, imensas e diáfanas. O país, que tem visto mil vezes a repetição desta dolorosa comédia, está cansado: o poder anda num certo grupo de homens privilegiados, que investiram aquele sacerdócio e que a ninguém mais cedem as insígnias e o segredo dos oráculos. Repetimos as palavras que há pouco Ricasoli dizia no parlamento italiano: «A pátria está fatigada de discussões estéreis, da fraqueza dos governos, da perpétua mudança de pessoas e de programas novos». Se as palavras parecem apropriadas ao Portugal de hoje, é apenas porque o nosso hoje é apenas o ontem prolongado 'ad eternum' e com roupas novas de um projecto que vai nu. E afinal é exactamente essa fadiga da Pátria e esse cansaço do país que sustentam e alimentam a esterilidade. Qualquer partido, qualquer programa eleitoral, que não entenda isto, não entende de propósito. E talvez tenham razão. Afinal de contas, Eça escreveu as linhas acima vai para mais de um século e nem sequer havia televisão. Que as suas palavras nos soem tão contemporâneas é, provavelmente, sinal de que a coisa funciona

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publicado por João Villalobos às 02:25 | link do post | comentar
Quinta-feira, 18.04.13

E a vida continua

Em verdade vos digo que o mundo respira

quando as palavras o tocam.  

São velas.

Não queimam o ar, antes o povoam

de orações completas.

Escritas ou ditas,

nas palavras crescem ramos,

soltam luminosos esporos.

E a vida continua.

publicado por João Villalobos às 11:22 | link do post | comentar
Terça-feira, 12.02.13

Futebol (também) é ficção

Após inúmeras solicitações de amigos com contactos privilegiados na Banca e sentindo que existe efectivamente uma vaga de fundo que congrega sócios e adeptos das mais variadas tendências, aceitei – não sem ouvir a opinião da minha mulher, filhos e família em geral – apresentar a minha candidatura à presidência do Sporting Clube de Portugal.

Alguns de vós, embora poucos porque os sportinguistas conhecem-me, perguntarão porventura porquê. Espanta-os, quiçá, que uma individualidade com as minhas responsabilidades públicas opte por entregar-se, de alma e coração, a uma causa que muitos dão como perdida.

Tenho também ouvido os críticos do costume chalacearem com o facto de a lista de putativos candidatos (a palavra é do mais clássico latim) à presidência do clube já ter a extensão da lista telefónica de Shangai. "Mais um para quê?", interrogam-se com um esgar de desdém. Pois não serão eles a demover-me desta decisão, a qual, uma vez tomada, abraço em simultâneo com a razão e o coração.

Os sportinguistas são Portugueses. Parece uma verdade digna do senhor de La Palisse mas sucede que somos, mais do que isso, os mais Portugueses entre os Portugueses, porque nenhuma outra instituição tem padecido de tantas similitudes com o próprio país; Vivemos sem dinheiro, protestamos sem que os protestos sirvam para alguma coisa, ansiamos por uma ajuda financeira externa que nos ponha de uma vez por todas equilíbrio nas contas e, internamente, desperdiçamos tempo e energia em querelas intestinas que dão ao acessório a aparência do essencial. Mas, parafreaseando Fernando Ulrich, vamos aguentando.

É esse mesmo, aliás, o mote da minha candidatura: “Chega de Aguentar!”. Em breve, numa conferência de imprensa de formato completamente inovador porque dará aos jornalistas presentes a possibilidade de fazerem todas as perguntas que entenderem, será apresentado em detalhe o programa desta  mesma candidatura.

Ela não fará tábua rasa das lições do Passado, porque aquilo que não aprendemos com os erros (os nossos e os alheios) não nos permite progredir. Mas é o diagnóstico certeiro do Presente que norteará o desiderato capaz de orientar o Futuro. Pensemos na constelação do Leão. Ela inclui a estrela Regulus, que entre os árabes era chamada Qalb al-Asad. “O Coração do Leão”. Chega, pois, de aguentar. É no âmago desse coração de Leão que devemos encontrar a coragem e a audácia para rompermos com a choraminguice e darmos o salto que se impõe.

E dito isto, certo de que já perceberam de que brinco, peço-vos que encontrem nas entrelinhas do meu sentido de humor o que elas contêm de seriedade. Como diz o povo: “A brincar, a brincar, se dizem as verdades”. Porfiemos.

*Amanhã em versão impressa no Jornal do Sporting (Where else?) 
publicado por João Villalobos às 21:16 | link do post | comentar
Terça-feira, 29.01.13

Para ontem

As tuas mãos ofuscam a claridade da água.

 

Turvos são os lugares onde tocam, podiam ser pedras

 

não fosse a circunspecta dádiva.

 

 

Faz anos que beijaste a descoberta do início.

 

E ontem, ontem mesmo, descobriste a gaveta sacra,

 

os silêncios de poeira fresca.

 

 

Sublimes são os dias mas apenas para quem não recorda.

 

Os fantasmas, viagem nas memórias de quem guarda

 

esse respirar solene das certezas.  

publicado por João Villalobos às 18:51 | link do post | comentar
Segunda-feira, 28.01.13

Eu e o Luis Naves em conversa

publicado por João Villalobos às 14:22 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 23.01.13

Ofício

Juntar palavras é quebrar nozes com as mãos, dedos abertos.

 

Vê o castor que equilibra os ramos sobre o dique. Observa

 

a sua disciplina.

 

 

Escrever é tudo o que a verdade não é, mas também o seu corpo.

 

Ouve o tchk, tchk, tchk da toutinegra. Atenta

 

na sua cadência.

 

 

Uma frase e depois outra é a monotonia de tudo com viagens dentro.

 

Sente o andar vagaroso do gato. Tacteia

 

as suas unhas.

publicado por João Villalobos às 22:23 | link do post | comentar
Quinta-feira, 22.11.12

Ou outra coisa qualquer

E afinal tudo isto o que é, senão outro princípio?  

Soçobraram estas memórias,

ou aguardam apenas a tão desejada,

adiada salvação?

Pisando a poeira caminhamos,

entre as folhas secas, num ruído manso.

 

Vacilamos sonâmbulos em noites de paludismo.

Prosseguimos, sem destino certo,

no balanço turvo do navio fantasma.

Já não separamos a mão esquerda da direita.

Muitas vezes,

nem um abraço consola a febre dos dias.

 

Haja essa tarde, outra vida elevada num sopro,

a árvore antiga elevando-se como um  pai.

Por ela subíamos até uma queda sem dor

e os amigo eram como ramos,

a quem nada se pedia excepto o indizível,

esse coruscante silêncio demasiado branco.

 

Não sei, não vi, o inominável que chegou sem aviso,

lento ou com a pressa dos que fazem sofrer.

Mas fingiu-se de tão quente, de tão íntimo,

que chegou convidado pelo medo a esta mesa,

aterrador comensal na sua face gelada…

Máscara de espelho, assassino manso.

 

Se houver outro princípio, então o sangue pulse

e o jogo da infância recomece.

Mas se for o fim, então fique o nada que resta.

Assim mesmo.

Só o que resta.

O reciclar dos detritos, da obra, dos corpos.

 

Não o definhar desta luz amortecida.

Não estas palavras, encarquilhadas ao nascer.

 

Ou outra coisa qualquer.

publicado por João Villalobos às 22:01 | link do post | comentar

Uma pergunta

Aproxima-se um qualquer fim.

Silenciosos os violinos que libertavam os acordes da verdade.

Ouve-se apenas, demasiado perto,

o eco do último sopro,

o extertor do sono,

o expirar do silêncio.

 

Penso. Eu. Genuinamente penso,

então e o brilho ofuscante das opalas,

a música que nos convocava soprada das ocarinas,

o rebentar das bombas da China, a cinco escudos na moeda antiga.

 

Onde esses actos de esplendor,

e em que lugar a manta tecida com palavras quentes e beijos de avó.

Essa lamparina de azeite acompanhando a noite.

 

Para onde fugiu, afinal, a felicidade? 

publicado por João Villalobos às 00:32 | link do post | comentar
Sexta-feira, 10.02.12

Diario sem horas (4)

Hoje, o tempo alargou-se para além do sentido. E no entanto, atravessando as horas, as palavras ganham outras distâncias, passando fronteiras como aquelas que antigamente nos transportavam até às cidades cujos nomes já não existem; umas demasiado distantes outras extintas na poeira dos séculos. Por vezes, talvez demasiadas, as palavras aproximam-nos de quem está longe e afastam-nos de quem nos espera. Percurso esse cuja circularidade só existe na mente mais distante, a mesma que aguarda o todo que é suposto existir, no prato direito da balança que pesa o verdadeiramente dado. Assim é, mas com uma certeza porém: Aquele que tarda e fala as todas as línguas, tanto as próximas como as mais distantes, caminha no precipício da ausência. Desnecessário dizer mais do que isto: Hoje, as horas estendem-se sem que as palavras encontrem um intervalo onde viver...ou uma cama onde repousem para sempre.

publicado por João Villalobos às 04:24 | link do post | comentar
Quarta-feira, 08.02.12

Diário sem horas (3)

Em plena I Guerra Mundial, com mais exatidão no dia 26 de Janeiro de 1917 em Santa Maria la Longa, Giuseppe Ungaretti escreveu o seu poema Mattina: “M’illumino / D’immenso”. Comentá-lo seria escrever o óbvio. Difícil é vivê-lo, mas não impossível. Basta procurar esse momento de luminosidade que nos relembra o infinito apenas pressentido. Esses prolongados segundos que atravessam as frinchas do incomensurável. Mesmo cerceados pelo frio dos invernos ou feridos pelas batalhas que travamos, tantas vezes de olhos fechados. Sentir cada prova que nos é dada de existência. Cada manhã. Eis a condição primeira dessa imensa iluminação.

publicado por João Villalobos às 19:28 | link do post | comentar

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